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Anorexia e bulimia viram doença de homem

 

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A pressão cultural pela magreza e pelo corpo perfeito tem levado um número crescente de homens a desenvolver doenças até então consideradas somente de mulheres, como bulimia e anorexia.



"Coloquei na cabeça que não podia passar dos 45 kg, então simplesmente parei de comer”, conta Giovani de Meneses


 
 


 

 

 

No Nuttra (Núcleo de Transtornos Alimentares e Obesidade, ligado à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro), uma das referências do País no assunto, o número de homens com anorexia e bulimia atendidos em 2003 cresceu cinco vezes em relação a 2002. Só no ano passado, foram atendidos mais homens com transtornos alimentares do que todo o registrado entre 1999 e 2002.

 
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"Por décadas acreditou-se que os transtornos alimentares eram doenças de mulher. Hoje, vemos que o número de anoréxicos e bulímicos está subestimado, sobretudo quando levamos em conta as pressões culturais por um corpo perfeito, que agora valem para os dois sexos e são um dos principais fatores de desencadeamento da doença", diz a psiquiatra Paula Melin, diretora do Nuttra.

Pelo perfil dos atendimentos dos principais centros de tratamento do País, o comer compulsivo ainda é o distúrbio mais comum entre homens, seguido da bulimia e anorexia. É também comum um distúrbio estar associado a outro ou a doenças como depressão e dependência química.

Os homens possuem um padrão diferente do das mulheres: abusam menos de laxante por ter uma maior facilidade de perder peso, costumam desenvolver os transtornos alimentares mais tarde, entre 18 e 26 anos, e é mais comum o histórico de obesidade.

O início geralmente é o mesmo. Começa com uma dieta com restrições a alimentos que se julga serem mais calóricos. No caso da anorexia, a restrição vai aumentando progressivamente, associada a exercícios físicos até o jejum.

No caso da bulimia, a restrição alimentar acaba provocando uma fome incontrolável, levando a pessoa a comer muito de uma vez só (o termo bulimia vem do grego e significa fome de boi). Ela sente-se imediatamente culpada e até mesmo com mal estar físico e ocorre então a idéia de induzir o vômito para não engordar. Mas, diferentemente da anorexia, a bulimia ocorre quando a pessoa está acima ou dentro do peso.

De obeso para anoréxico

O estudante Gabriel Stippe Derobio, de 16 anos, que desenvolveu anorexia aos 13 e chegou a perder quase 50% do peso,  lembra que ficava constrangido por só encontrar referências a pacientes do sexo feminino. “Pesquisava o assunto em revistas e sites, mas me sentia ainda pior, pois só encontrava referências a garotas e mulheres”.

Gabriel decidiu adotar dietas cada vez mais rigorosas após se cansar das humilhações e gozações dos colegas que o chamavam de gordo. “Tinha 80 quilos, não tinha habilidade com futebol e não conseguia a atenção das garotas. Só era motivo de risos”, diz. “Comecei a perder peso e todos diziam que eu estava ficando cada vez mais magro e até apavorante, mas eu achava isso muito bom, não ligava. Só percebi que algo estava errado quando tudo ficou fora do controle e tive que ficar um mês sem ir para o colégio, de cama, em casa”.

Já o universitário Giovani de Meneses, de 21 anos, só descobriu que estava com anorexia quando foi internado para tratar da depressão que veio junto com a doença, aos 16. “Tinha pavor de engordar e complexo de balança. Coloquei na cabeça que não podia passar dos 45 kg, então simplesmente parei de comer”, conta.

 

No auge da doença, Giovani chegou a pesar 36 kg. “Minha mãe brigava comigo e mandava eu comer e tomar Biotônico Fontoura. Mas, se eu comia, vomitava em seguida. Passava o dia, no máximo, com um saco de salgadinho, uma pipoca ou um pãozinho”, relembra. “Cheguei a ficar quatro dias e meio sem comer nada, só bebendo água. No quinto dia, comi duas colheres de arroz e duas folhas de alface. Imaginava que tinha alguma coisa de errado, mas guardava segredo até para mim mesmo”.

O webdesigner Eduardo Benucci Maluta, de 24 anos, desenvolveu transtorno alimentar por um caminho inverso. Lutador de vale-tudo, ficou impedido de manter a prática de musculação, após ser vítima de um grave acidente de carro, em 1999, no qual quebrou a clavícula.

"Entrei no hospital com 88 kg de músculo e sai com 82 kg de gordura”, conta. “Como eu lutava e malhava muito, comia demais também. A bulimia foi a forma que encontrei para continuar comendo a mesma quantidade e não ganhar peso”.

O que ele pensava ser apenas uma prática provisória acabou durando três anos. “Chegou num ponto que eu vomitava até 18 vezes num mesmo dia. Tomava muito laxante e tinha uma dor psicológica muito grande. Cheguei a pesar 62 kg. Só tive consciência do problema quando tentei parar e não consegui”.

Eduardo, no entanto, nunca buscou tratamento. “Tinha vergonha de ver um monte de gente passando fome do meu lado e eu vomitando”. O ritual de vômitos auto-induzidos só foi suspenso em 2002, quando Eduardo decidiu fazer uma tatuagem de um dragão entre as costelas e o estômago. “Fiquei com medo de estragar a cicatrização”, conta.

Com o peso estabilizado em 64 kg e com os episódios bulímicos suspensos, Eduardo se considera recuperado, mas a imagem que ele faz de si mesmo continua um pouco distorcida. Embora ainda tenha um corpo torneado, se acha gordo. “Olho no espelho e me sinto um boto”, diz. “Eu era um armário, ninguém 
arrumava encrenca comigo. Hoje, todo mundo me tira”.   

                             

Homens já são 13% dos pacientes                                                           


Os homens ainda são a minoria das vítimas de transtornos alimentares que buscam atendimento. Novos estudos, entretanto, sugerem que o índice histórico de um homem para cada 10 mulheres com bulimia ou anorexia pode estar subestimado ou passando por uma transformação.

Uma pesquisa realizada este ano pelo Hospital Universitário de Zaragoza revela que, entre os universitários espanhóis, a prevalência de transtornos alimentares é de aproximadamente 20,8% em mulheres e 14,9% em homens.



"Olho no espelho e me sinto um boto”, diz Eduardo Maluta, que chegava a vomitar 18 vezes num mesmo dia



Outro estudo da Universidade de Sydney mostra que um em cada cinco universitários do sexo masculino se preocupa com o peso e com a forma física, segue regras sobre o que pode ou não comer, e limita a ingestão de alimentos. De um total de 93 universitários analisados em 2002, 9% receberam diagnósticos clínicos de alteração nos hábitos alimentares, 8% de distúrbios da prática de exercícios e outros 12% estavam insatisfeitos com a forma física, sentiam-se gordos e queriam muito perder peso.

No Brasil, ainda não existem estudos do gênero. Em centros de tratamento de transtornos alimentares como o Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares), do Hospital das Clínicas da USP, e Proata (Programa de Orientação e Assistência aos Pacientes com Transtornos Alimentares), da Unifesp, a relação de homens entre os atendidos oscila entre 5% e 10%. Mas também já começa se verificar um aumento no número de homens que procuram atendimento.

No Nuttra, os homens já representam 13% dos pacientes. Em 2003, dos 116 atendidos pelo Núcleo, 15 eram homens. Entre 99 e 2002, os homens atendidos somaram apenas o total de 11.
 

 

Segundo Paula Melin, a prevalência dos transtornos alimentares em homens é subestimada, dentre outros fatores, por causa da dificuldade de se fazer o diagnóstico correto e do despreparo da maioria dos médicos para identificar a doença. "Parece que ainda existe um carimbo, até mesmo entre a classe médica, que anorexia e bulimia são doenças só de mulheres".

O psiquiatra Alexandre Azevedo, do Ambulim, cita dois outros fatores: maior resistência dos homens em buscar atendimento e despreparo do serviço público. “Homens se acham mais capazes de resolver sozinhos os seus problemas. Ainda é muito forte também a crença de que se trata de uma doença feminina ou de homossexuais, então também acham vergonhoso buscar atendimento”.

 

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No Ambulim, de cada 40 pessoas que passam pela triagem, apenas uma é homem. “Os serviços públicos não costumam estar preparados para atender este público. Nunca conseguimos reunir um grupo suficiente de homens para abrir um grupo separado do das mulheres. Quando começa a terapia de grupo, é comum eles abandonarem o programa”.


Mudança no padrão de beleza

 Para a nutricionista Marle Alvarenga, coordenadora do Genta (Grupo de Estudos em Nutrição e Trantornos Alimentares) e autora do livro “Transtornos Alimentares: uma visão nutricional” (Ed. Manole), o número crescente de homens que desenvolvem anorexia ou bulimia é resultado direto da supervalorização da beleza na sociedade e da fobia por gordura.

“Culturalmente os homens costumavam ter uma maior resistência por esse tipo de pressão pelo corpo perfeito, mas o que observamos agora é um número crescente de homens freqüentando spas, academias, clínicas de estética e aderindo a dietas cada vez mais rigorosas”, afirma. “A pessoa fica tão obcecada em perder gordura, em ser mais sarada do que já está, mas no lugar de ficar mais saudável, acaba se destruindo: vomitando escondido, sofrendo alguma lesão por excesso de exercício ou desenvolvendo algum distúrbio de comportamento”.

Ela destaca que é um erro associar o chamado corpo perfeito à idéia de saudável. “Para ser saudável basta comer direito e fazer atividade física. Dependendo da genética, a pessoa pode ser mais ‘cheinha’, mas muito mais saudável do que os modelos saradões de beleza”.

Segundo Paula Melin, basta ir para qualquer praia do País e verificar a multiplicação de "saradões" e "pitboys" para constatar a disseminação de um modelo beleza masculina baseado num corpo cada vez mais magro, atlético, musculoso e com torso em forma de “V”. “Se você pega as revistas do final da década de 70 e as de agora as diferenças no padrão de beleza são enormes. A própria evolução dos bonecos masculinos, como os dos Comandos em Ação, revela esta mudança de padrão. Diferentes dos primeiros Falcon e Gijoe, das décadas de 70 e 80, os bonecos que chegam ao mercado estão cada vez mais musculosos e com o torso mais em forma de V".

A psiquiatra ressalta ainda a comprovada relação entre dietas rigorosas e o desencadeamento dos transtornos alimentares. “No Brasil, nesse momento, calcula-se que mais de 10 milhões de pessoas estejam fazendo algum tipo de regime para emagrecer, enquanto outros 10 milhões planejam começar um”, diz. Segundo estudos, 35% das "dietas normais" progridem para dietas patológicas. Destas, uma em cada quatro evolui para um transtorno alimentar.

Malhadores compulsivos                                                                              


O culto ao corpo e a prática excessiva de musculação já receberam até uma classificação nova dentro dos transtornos alimentares. O distúrbio vem sendo chamado de vigorexia ou anorexia nervosa reversa.

“Em vez de se achar gordo demais, ele se acha magro demais”, explica o psiquiatra Alexandre Azevedo. “São malhadores compulsivos, preocupados em excesso com a forma do corpo. Tanto quanto o anoréxico faz de tudo para emagrecer, mas a preocupação maior é aumentar a massa muscular”.

Um termômetro para tentar medir a compulsão por malhação no Brasil é a multiplicação do número das academias de ginástica. Segundo dados da Associação Brasileira de Academias, o número de unidades triplicou no último ano. Atualmente, são mais de 7 mil academias em todo o País com cerca de 2,8 milhões de alunos matriculados.


Diferentes dos Falcon e Gijoe, das décadas de 70 e 80, os bonecos de hoje estão cada vez mais musculosos e com o torso mais em forma de V


Diferentes dos Falcon e Gijoe, das décadas de 70 e 80, os bonecos de hoje estão cada vez mais musculosos e com o torso mais em forma de V"



“As academias costumam ser pólos de disseminação de padrões estéticos não reais e de táticas de emagrecimento não adequadas, como uso de laxantes e de suplementos alimentares”, afirma Juliana de Carvalho, nutricionista da Recomendo, consultoria especializada na criação de departamentos de nutrição em academias.

“Atendi um aluno de 19 anos que tinha pânico de qualquer alimento com gordura. Malhava horas por dia, queria aumentar a massa muscular, mas só comia fruta e verduras e tomava suplementos. Dois anos depois, começou a se sentir muito fraco e foi diagnosticado então anorexia”, afirma a nutricionista, que defende que a preocupação estética esteja sempre associada a uma reeducação alimentar. Ela lembra ainda que o excesso de atividade física pode provocar lesões na musculatura, articulações e tendões.

Mas como diferenciar a prática saudável de exercícios e o controle da alimentação da preocupação excessiva e até obsessiva? “O comportamento alimentar inadequado ou o excesso de exercícios transformam-se num distúrbio de comportamento quando passam a interferir na rotina da pessoa”, afirma Azevedo.

“Quando a pessoa deixa de ir a um compromisso por se achar gorda ou para evitar ter de comer. Ou então deixa de estudar ou trabalhar para ir à academia ou passa a ocupar boa parte do tempo pensando no que deve ou não deve comer, é hora de buscar atendimento”, completa.

Peculiaridades da doença em homens

Não há estudos de prevalência de transtornos alimentares entre homens (entre mulheres, fala-se entre 0,5% a 4%). Sabe-se, entretanto, que alguns grupos apresentam maiores chances de desenvolver um transtorno alimentar, principalmente aqueles cujas profissões estão ligadas a uma preocupação exagerada com a forma física e com o peso, como é o caso de bailarinos, modelos, ginastas, fisiculturistas, corredores, nadadores, jóqueis e praticantes de luta livre.

“Nesses grupos, a relação chega ser de um para cada seis”, afirma Azevedo. O psiquiatra explica que nestas atividades é comum a dependência de um peso mais baixo para melhorar o desempenho.

“Participava de campeonatos de vale-tudo e tinha uma cobrança muito grande com o meu peso, pois podia pesar no máximo 89 kg para não subir de categoria”, conta Eduardo, que descobriu a bulimia na própria academia. “Via as meninas do balé comendo feito um boi e depois ouvia uma sinfonia de vômitos no banheiro. Até que um dia resolvi testar”.

A principal diferença entre homens e mulheres está em como cada um se relaciona com o peso e a forma. “Ao contrário das mulheres que estão mais preocupadas com o peso, os homens relatam maior preocupação com a forma física e com a imagem corporal mais no sentido de se obter uma aparência masculina do que pelo desejo de serem magros”, afirma Paula Melin.

“Mesmo o anoréxico têm uma preocupação excessiva com a forma, em perder a barriga, conseguir um abdômen de tanquinho ou até mesmo a negação da forma de corpo masculina”, completa Azevedo, lembrando que entre os que desenvolvem anorexia ou bulimia 50% são homossexuais ou assexuados.

“Os dois principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares entre homens é um passado de obesidade e ser homossexual”, afirma. “O culto ao corpo e à magreza são valores característicos do universo homossexual e estudos mostram que cerca de 20% do público homossexual masculino chega a desenvolver algum tipo de transtorno alimentar”.

Perda da libido e lesões gástricas                                                              


A taxa de mortalidade é a mesma entre homens e mulheres. Fatal em até 20% dos casos, a anorexia e a bulimia provocam uma série de provocações físicas, como problemas gástricos, ósseos e circulatórios. No caso de anorexia, há diminuição dos níveis de testosterona e da libido, com possibilidade até de impotência.

“Não sentia atração física nenhuma. Meus amigos chegaram até a falar que o meu ‘negócio’ devia ser homem, mas não sentia nada mesmo. Minha única preocupação era não engordar”, conta Giovani, que desenvolveu anorexia aos 16 anos. Aos 21 anos e pesando agora 55kg, as marcas da doença ainda são visíveis nos ossos afinados.

Outras conseqüências dos transtornos alimentares são mudanças no metabolismo e surgimento de lesões gástricas, nas mãos e no céu da boca em razão dos vômitos auto-induzidos. “Até hoje quando vou ao dentista, ele se assusta quando abro minha boca”, revela Eduardo, que também desenvolveu uma gastrite, mas conseguiu esconder até hoje da família o histórico bulímico.

As pesquisas mostram que os homens tendem a responder mais rápido ao tratamento, mas a recuperação total nunca é fácil. Giovani, por exemplo, tem conseguido se manter nos 55 kg e decidiu até entrar na faculdade de Nutrição, mas afirma que basta ficar nervoso para parar de comer. “Na última semana tive problemas no trabalho e não comi quase nada”, diz.

Segundo ele, a dieta dos últimos sete dias resumiu-se a dois espetinhos de churrasco, um copo de vitamina, duas colheres de farofa, quatro pães de queijo e dois biscoitos doce. “Mas tirei o recheio, porque ainda evito comer açúcar”, ressalta.

Cinco anos depois do início da anorexia e dois anos após o início do tratamento, Giovani admite que quando se olha no espelho ainda se acha gordo. “A diferença é que não sinto mais culpa de comer”.



Centros de Apoio e tratamento

Ambulim:
Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da USP
Rua Dr. Ovídeo Pires de Campos, s/nº Instituto de Psiquiatria da USP, 3º andar, sala 4023 Fone (11) 3069-6975
http://www.ambulim.org.br/

Proata:
Programa de Orientação e Assistência aos Pacientes com Transtornos Alimentares, da Unifesp
Rua dos Ottonis, 887 fone (11) 5579-1543 e-mail: proata@psiquiatria.epm.br

Nuttra:
Nucleo de Transtornos Alimentares e Obesidade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.
Rua Santa Luzia, 206 fone (21) 2221-4896/ 2533-0188/ 9367-2369
E-mail: nuttra@medscape.com

 


Salientamos que as informações aqui contidas buscam apenas oferecer uma visão sobre os principais transtornos psicológicos e que qualquer tratamento deve sempre ser precedido de uma investigação clínica aprofundada.